A Avó Antónia de Djamila Ribeiro
“Cartas para minha Avó” é tão actual; devia ser lido por todas as mulheres e … homens. É um livro autobiográfico em que, através de cartas que escreve à avó Antónia que teve sete filhos e faleceu aos 68 anos, nos fala de assuntos que nunca teve oportunidade de falar com a avó enquanto ela foi viva. É de racismo que fala, mas também de desigualdade de género, na pele de uma mulher negra. Djamila Ribeiro é das escritoras brasileiras mais lidas na actualidade, é filósofa, ocupa desde 2022 o lugar 28 da Academia Paulista das Letras, anteriormente ocupado pela escritora Lygia Fagundes Telles e a BBC incluiu-a na lista das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo.
Logo no início do livro, dirigindo-se à avó, a narradora escreve: “Como você lidava com o racismo? Será que pensava sobre isso ou foi forçada a naturalizá-lo? Eu não tive tempo de lhe perguntar nada disso. Quais eram seus sonhos, seus medos?” (pág. 15) “Que saudade de suas mãos lindas, mãos com história, com calos, mas macias ao acarinhar e trançar meus cabelos.” (pág. 13) Lamenta não ter conhecido a avó e a mãe, Erani Benedita, como mulheres, para além dos seus papéis de avó e mãe. Recorda que não foi fácil ser uma menina preta e lembra que a rigidez e dureza da mãe ao educá-la e à irmã eram no sentido de que não podiam errar. Errar era um privilégio de brancos. “Estou-te preparando para a vida” (pág. 26), mas essa educação e todos os castigos que lhe infligia foram negativos na sua auto-estima, a acrescentar a todo um sistema de segregação social que vivenciou na escola e através dos modelos difundidos nos meios de comunicação social. Aquilo que não conseguiu compreender quando criança, percebeu mais tarde quando teve noção de que a “mãe foi um espírito livre enjaulado” “corroída” pela tristeza e invisibilidade. (pág. 61). “Minha mãe teve suas asas cortadas por muitas tesouras, e dizer a ela que a compreendíamos foi como fazer um pedaço se colar.” (pág. 61) Também só mais tarde, a narradora conseguiu perceber a diferença entre o Joaquim pai que sempre lutou por que as filhas fossem independentes e o Joaquim marido que no final da vida confessou à filha, chorando “Eu estou sofrendo porque fiz sua mãe sofrer.” (pág. 82)
A bagagem que a educação da avó e da mãe lhe deu permitiu-lhe recusar relações em que não se sentiu respeitada, relações controladoras e possessivas em que ela apenas era vista como instrumento de prazer. Mesmo que elas nunca tivessem sabido o que era o feminismo, quer a avó quer a mãe sempre lhe mostraram a importância de se defender. E isso foi determinante para ter com a filha Thulane, (que significa “a pacífica” ) uma relação diferente, aberta a falar sobre sexo e menstruação, por exemplo, aquilo a que ela chama quebrar o ciclo do não-dito.
Nestas cartas à avó, a narradora fala da sua experiência de maternidade, da ambivalência tão comum e tão pouco compreendida de sentimentos de felicidade e incompletude e da sua decisão de continuar a estudar, da grande luta pessoal para uma conciliação tão difícil. “Eu amava ser mãe, mas odiava o papel que a maternidade me impunha” (pág. 156); era “a abdicação da nossa existência como sujeito” (pág. 157).
É também com orgulho que conta à avó o que fez para quebrar o ciclo de pobreza e exclusão que tinha sido a vida da mãe e da avó. Trabalha e vai estudar Filosofia, mas “Eu me deparei com um curso branco, masculino e eurocêntrico” (pág. 168), mas a epifania deu-se quando conheceu pesquisadoras negras e teve contacto com feministas da América Latina que lhe alargaram a sua apreensão sobre o feminismo. Foi convidada para exercer cargos na área dos direitos humanos aquando da gestão de Fernando Haddad, teve a possibilidade de entrevistar Marielle Franco e assinala o papel que a leitura de grandes escritoras como Toni Morrison, Maya Angelou ou Alice Walker tiveram no seu percurso e no seu desenvolvimento como mulher e pensadora.
E finalmente, a história da avó e o seu exemplo não são alheios à sua escolha por uma espiritualidade profunda, por uma vivência simples e de grande comunhão com a filha Thulane.
Volto à ideia inicial. Um livro essencial para quem quer ter uma visão abrangente do feminismo, do racismo e da luta pela superação e combate ao racismo e à desigualdade.
Almerinda Bento
Dia 25 de Novembro
No dia 25 de novembro realizou-se mais uma sessão do nosso Círculo de Leitura, desta vez com 12 presenças, menos do que é habitual. Comecei por evocar o 25 de Novembro que em 1999 foi proclamado como Dia Internacional pela Eliminação da Violência sobre as Mulheres, em memória das irmãs Mirabal - Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal - assassinadas a 25 de Novembro de 1960 pelo ditador Trujillo que na altura governava a República Dominicana. As irmãs Mirabal, conhecidas por Las Mariposas, poderão conhecê-las melhor em livros como "No Tempo das Borboletas" de Julia Alvarez ou n'"A Festa do Chibo" de Mario Vargas Llosa,
Seguiu-se a conversa em torno do livro escolhido para este dia. Lembro a quem não pode ler os livros na totalidade, que há sempre momentos para podermos ler uma passagem que nos tenha agradado ou impressionado mais e que isso poderá ser tema da nossa conversa. As pessoas não têm de se sentir intimidadas ou diminuídas porque não tiveram tempo para ler o livro todo. A ideia do Círculo de Leitura é de podermos partilhar ideias e opiniões a partir de um determinado livro que tenha sido escolhido
Estão também já programadas as próximas sessões, para que possam ter tempo para ler. Assim, podem desde já agendar as próximas sessões para as quartas feiras culturais:
Dia 28 de Janeiro - "Anos de Brasa" de Luís Farinha, o primeiro diretor do Museu do Aljube e Resistência - sessão com a presença do autor
Dia 25 de Fevereiro - "O Último Avô" de Afonso Reis Cabral, trineto de Eça de Queirós. Esta sessão também terá a presença do autor
Dia 24 de Março - "O País dos Outros" de Leila Slimani.
Calendário das sessões mensais

